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martes, agosto 05, 2014

Neoliberalismo e fundos abutre, ... Por Emir Sader

Os fundos abutre são o exemplo mais radical do caráter parasitário do capital especulativo, típico da era neoliberal.Os Brics começaram a apontar a alternativa.

Por  Emir Sader [*]
05.08.2014


Quando se esgotava o ciclo longo expansivo do capitalismo, se impôs o debate sobre as razões desse esgotamento e as formas de retomada do desenvolvimento econômico. Triunfou a renascida versão do liberalismo, vocalizada, em particular, por Ronald Reagan, que disse que haveria que suspender os limites à livre circulação do capital, haveria que desregulamentar a economia. O capital voltaria a circular haveria investimentos, as economias voltariam a crescer e todos ganhariam.

Promoveu-se a livre circulação do capital em escala global, mediante a abertura dos mercados nacionais, a privatização de patrimônios públicos, a mercantilização do que antes eram direitos, a precarização das relações de trabalho, a retração do Estado, a centralidade do mercado. Mas o que aconteceu foi diferente do previsto.

Acontece que, como recordava sempre Marx, o capital não está feito para produzir, mas para acumular. Liberado das travas do período anterior, o capital se dirigiu, maciçamente, para a esfera financeira, onde ganha mais, tem liquidez total, paga menos impostos e exerce forte pressão sobre os governos. (Uma agência de apoio aos especuladores, uma vez concluiu suas sugestões, dizendo, lilteralmente: Aproveitem a festa, mas fiquem perto da porta.) Em escala mundial se deu uma gigantesca fuga de capitais do setor produtivo ao especulativo, com o capital financeiro assumindo o papel hegemônico na era neoliberal do capitalismo.

O baixo crescimento ou a estagnação ou até mesmo a retração das economias se deve justamente ao fato de que o setor hegemônico na economia é um setor parasitário, que não produz nem bens, nem empregos. É o capital financeiro sob sua forma especulativa, que não financia o consumo, nem a produção, nem a pesquisa. Vive da compra e venda de papéis.

Os fundos abutre são o exemplo mais radical desse caráter parasitário do capital especulativo, típico da era neoliberal. Nesse caso, se valeram da crise da dívida dos países latino-americanos nos anos 1980 para impor normas draconianas a governos subalternos, parte fundamental da herança maldita recebida pelos governos antineoliberais. Empréstimos a juros brutais em troca da renuncia à soberania nacional.

Assim, mesmo os governos que reagiram contra o neoliberalismo, começando a construir alternativas a esse modelo esgotado, tem que enfrentar ainda essa herança. Para a direita seria sinal de fracasso dos governos progressistas, quando na realidade são ainda restos dos governos da própria direita.

Os Brics começaram a apontar a alternativa: um Banco de Desenvolvimento para o Sul do mundo, um fundo de apoio frente a problemas que possam enfrentar esses países. O conflito atual da Argentina com os fundos abutre representa os estertores do modelo contra o qual foram eleitos e reeleitos os governos progressistas, que constroem um modelo alternativo ao neoliberal.

Publicado no Blog do Emir em Carta Maior, por Emir Sader em 03/08/2014 às 12:19.

[*] Emir Sader, (São Paulo, 13 de julho de 1943) é um sociólogo e cientista político brasileiro de orientação marxista e fortemente ligando à esquerda brasileira 1 e internacional 2 (Wikipedia) .
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domingo, febreiro 06, 2011

Uma breve história do Fórum Social Mundial, ... por Emir Sader

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Nas origens do FSM estão o "grito zapatista" de 1994 e as manifestações em Seattle, em 1999, que impediram a realização da reunião da OMC. Na sequência, o movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global. A análise é de Emir Sader.

Por Emir Sader [*]
07.02.2011


O Fórum Social Mundial já tem história. Uma história que não pode ser entendida separada daquilo que lhe deu nascimento e a que ele está intrinsecamente vinculado: a luta contra o neoliberalismo e por um mundo posneoliberal – que é o sentido de seu lema central “Um outro mundo possível”.

Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.

Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema –onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo-, na América Latina –onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil– que tinha a esquerda mais forte naquele momento –e, em particular, em Porto Alegre– pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.

Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais –de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles-, enquanto as ONGs –cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas– se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.

Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” –a luta pela paz-, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.

O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.

A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais –que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.

Hoje, o FSM tem em governos latinoamericanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS –e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” –como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas– perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.

Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos –Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul –entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.

O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.

O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.

O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.

A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.

[*] Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP - Universidade de São Paulo.

Fonte: Carta Maior - Blog do Emir Sader - Copyleft

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mércores, xaneiro 26, 2011

O Fórum Social Mundial -FSM- 10 anos depois

Por Emir Sader [*]
26.01.2011

Dez anos depois da sua primeira edição, o FSM volta à Africa, em um cenário mundial muito diferente daquele de 2001. Naquele momento a hegemonia do modelo neoliberal ainda era grande, a economia mundial não havia entrado em crise e, principalmente, a América Latina ainda era dominada por governos neoliberais –naquele momento com a exceção dos da Venezuela e de Cuba.

Passada uma década, o mundo mudou. A crise econômica, nascida no centro do capitalismo, levou as maiores potencias à estagnação, da qual ainda não conseguem sair, enquanto os países do Sul do mundo, que privilegiam a integração regional e não os TLCs com os EUA, já a superaram e voltaram a crescer. O modelo neoliberal perdeu legitimidade, embora siga dominante, mesmo se com afirmações em contrario e com adequações.

Apesar disso tudo, por fraqueza de alternativas à esquerda, o mundo se tornou mais conservador ainda do que há uma década. Mesmo a vitória de Obama e o fim desprestigiado de Bush, não alteraram essa tendência. A Europa de Merkel, Berlusconi, Sarkozy, Cameron, das agudas crises com os respectivos pacotes de FMI em Portugal, Grécia, Irlanda, Portugal, virou ainda mais à direita.

A grande exceção é a América Latina, não por acaso o continente da sede original do FSM. Nesses dez anos, concomitante à realização dos FSMs, o continente foi elegendo, um atrás do outro, presidentes com compromissos de construção de modelos alternativos ao neoliberalismo que derrotavam nas urnas. Nunca o continente teve tantos governos afinados entre si e na linha posneoliberal de prioridade dos processos de integração regional no lugar dos TLCs com os EUA e prioridade das politicas sociais no lugar dos ajustes fiscais.

No FSM anterior, em Belém, a presença mais significativa foi de 5 presidentes, todos latino-americanos, afirmando seu compromisso com a construção de um outro possível. Todos marginais da política tradicional: um arcebispo ligado ao movimento camponês paraguaio, um dirigente indígena boliviano, um intelectual do pensamento critico equatoriano, um líder militar nacionalista venezuelano, um líder sindical brasileiro

Os 5 representam um movimento mais amplo – que inclui também a Argentina, o Uruguai, El Salvador  -que constrói os únicos processos de integração– Mercosul, Unasul, Conselho Sulamericano de Defesa, Banco do Sul, Alba, União dos Povos Latinoamericanos – que fez com que esses países tenham avançado significativa na sua recuperação econômica, na diminuição das desigualdades sociais, na extensão dos direitos sociais a toda sua população, na afirmação de politica externas soberanas. A América Latina tornou-se a única região do mundo em que governos se identificam com o FSM e avançam na superação do neoliberalismo.

Propostas do FSM conquistaram espaços nesta década, entre as quais talvez nenhuma como o software livre, como instrumento do direito universal à comunicação. Alguns governos adotaram modalidades de regulação sobre a livre circulação do capital financeiro. A recuperação dos recursos naturais privatizados –entre eles a água– foi realizada por governos latino-americanos. A ideia de que o essencial não tem preço, generalizando direitos a todos, tem ido igualmente praticada por governos posneoliberais na América Latina.

Mas, infelizmente, a crise econômica geral não foi capitalizada por alternativas progressistas em outras regiões – especialmente na Europa. Outros temas do FSM tampouco conseguiram avanços, por falta de forças politicas, com arraigo popular e capacidade de liderança, que pudessem transformá-las em políticas concretas.

Onde isso foi possível, onde se deram avanços reais na construção do outro mundo possível, foi quando a força social –de massas e ideológicade propostas– conseguiu se transformar em força política concreta, disputar o poder do Estado e, a partir daí, colocar em prática governos de superação do neoliberalismo. Em distintos graus, isso se está dando na Bolívia, no Brasil, na Argentina, na Venezuela, no Uruguai, no Equador. Porque medidas que superem o neoliberalismo, como a recuperação da capacidade do Estado para induzir o crescimento econômico, para garantir e estender direitos sociais, para defender a soberania nacional, para regular a circulação do capital financeiro, entre outras medidas.

Por isso o outro mundo possível, que tem necessariamente que transcender da esfera social para a politica, encontra nos governos posneoliberais da América Latina seus pontos mais avançados. Enquanto que forças que permanecem auto-recluídas na resistência social, se enfraqueceram, perderam transcendência ou até mesmo desapareceram, sem conseguir colocar em prática concretamente formas de superação do neoliberalismo.

O FSM do Senegal se dá nesse marco politico geral. No anterior, há dois anos, predominou uma certa euforia ingênua e espontaneísta, de que o neoliberalismo –e até mesmo o capitalismo– estariam chegando ao seu final. Estes dois anos reforçaram o argumento de que, sem construção de forças politicas capazes de dirigir processos concretos, que passam pelos Estados –os existentes ou os refundados-, não haverá avanços ou pode até mesmo acontecer retrocessos.

O outro mundo possível está sendo construído concretamente na América Latina, mediante diferentes modalidades de governos posneoliberais , que devem consistir na referência mais rica –nas suas realizações, no seu potencial e também nos seus impasses– para avançar nos ideais que o FSM representou há 10 anos. Mas que, se não superar ele mesmo os limites que se autoimpôs, ameaça seguir girando em falso, dissociado dos processos realmente existentes de construção do outro mundo possível.

[*] Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP - Universidade de São Paulo.

Fonte: Carta Maior - Blog do Emir Sader - Copyleft

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