Por Amy Goodman [*]
29.07.2010
O portal wikileaks.org realizou outro feito. Publicou milhares de documentos classificados como secretos a respeito da guerra dos Estados Unidos no Afeganistão. WikiLeaks oferece uma plataforma segura aos informantes, aos que aportam informação confidencial, para que enviem documentos, vídeos e outros documentos e arquivos eletrônicos, mantendo seu anonimato.
Em março passado, o sítio publicou um vídeo filmado de dentro um helicóptero de combate estadunidense que sobrevoava Bagdá. Na gravação, expôs a matança indiscriminada realizada pelo exército dos EUA, assassinando ao menos 12 pessoas, duas das quais eram empregadas da agência de notícias Reuters.
Nesta semana (iniciada em 26/07/2010), WikiLeaks, junto com três sócios dos meios hegemônicos –o New York Times, The Guardian de Londres e Der Spiegel da Alemanha– publicou 91.000 relatórios confidenciais das forças armadas estadunidenses no Afeganistão. Os relatórios, escritos em sua maioria por soldados no campo de batalha imediatamente após as ações militares, representam um verdadeiro diário de guerra de 2004 a 2009, onde se detalham desde a matança de civis, entre eles meninos, à crescente força da insurgência Talibã e o apoio do Paquistão ao exército Talibã.
Depois de que os documentos foram publicados, Julian Assange, fundador e Editor Chefe de WikiLeaks, me disse: “A maioria das mortes de civis acontecem em situações em que uma, duas, 10 ou 20 pessoas são assassinadas; as mortes de civis formam a maioria numérica da lista de acontecimentos. ...A forma para realmente entender esta guerra é vendo que há uma morte depois de outra, todos os dias, e não se detém”.
Julian Assange descreveu-me um massacre, que denominou “o My Lai polonês”. Em 16 de agosto de 2007, soldados poloneses regressaram a um povoado onde, na manhã daquele dia, eles tinham sofrido um ataque a bomba à beira da estrada. Os poloneses lançaram morteiros contra o povoado, que explodiram em uma casa onde se celebrava uma festa de casamento. Assange suspeita que os poloneses, em vingança pelo ataque a bomba, cometeram um crime de guerra, que ficou oculto na linguagem burocrática do relatório:
“Atual lista de baixas: 6x KIA (1 homem, 4 mulheres, um bebê) 3x WIA (todas mulheres, uma tinha 9 meses de gravidez).”
A sigla em inglês “KIA” (killed in action), significa “morto em ação”, e as dezenas de milhares de relatórios classificados têm uma grande quantidade de KIAs. Assange diz que há 2.000 mortes civis detalhadas nos relatórios. Outros registros destes mesmos relatórios descrevem a “Força de Tarefa Conjunta 373”, uma unidade de assassinatos do Exército dos Estados Unidos, e que supostamente captura ou elimina pessoas consideradas como sendo membros do Talibã ou Al-Qaeda.
O governo Obama está tentando se proteger e sua resposta têm sido confusa. O General James Jones, assessor de Segurança Nacional, condenou a publicação da informação confidencial, dizendo que “poderia pôr em risco a vida de estadunidenses e de nossos aliados, e ameaçar nossa segurança nacional”. Ao mesmo tempo, o secretário de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs disse “não há nada especialmente revelador nestes documentos”.
Mas este vazamento histórico de informação não representa uma ameaça para as vidas dos soldados estadunidenses que estão na guerra, senão para a política que põe essas vidas em risco. Com a diminuição do apoio público que já tem a operação militar no Afeganistão, o vazamento destes relatórios só fortalecerá o pedido de pôr fim à guerra.
“Tenho esperado isto durante muito tempo”, escreveu em seu twitter Daniel Ellsberg, o informante mais famoso dos Estados Unidos.
Ellsberg é o ex-analista militar que vazou os Documentos do Pentágono em 1971, milhares de páginas de um estudo governamental altamente confidencial onde se revela a história secreta da Guerra do Vietnã. Muitos consideram que a ação de Ellsberg contribuiu ao fim da Guerra do Vietnã. Daniel Ellsberg disse-me nesta semana: “Estou muito impressionado pela publicação [de WikiLeaks]. É a primeira vez em 39 anos, desde que entreguei os Documentos do Pentágono ao Senado, que vem a público arquivos desse nível. Quantas vezes em todos estes anos deveriam ter sido publicado milhares de páginas que demonstrassem como nos mentiram para entrar em guerra com o Iraque, o mesmo que ocorreu no Vietnã, e que mostrassem a realidade da guerra no Afeganistão?”
Os advogados de Assange aconselharam ao fundador de WikiLeaks que não viajasse a Estados Unidos.
Recentemente, agentes de segurança nacional foram a uma conferência de hackers em Nova York, na qual Assange estava programado falar. Assange cancelou sua participação e disse que o governo de Obama também intentou esforços junto ao governo da Austrália para que o prendessem. Assange falou comigo de Londres, depois da publicação dos documentos. Disse-me: “Não somos pacifistas. Somos ativistas a favor da transparência. Entendemos que de um governo transparente surge um governo justo. Este é o modus operandi que rege todo o trabalho de nossa organização: tornar pública toda a informação suprimida, de tal maneira que a imprensa, a população e nossos políticos possam trabalhar a partir dessa informação para conseguir melhores resultados”.
O Pentágono disse que já começou uma investigação judicial para averiguar quem vazou os documentos para o WikiLeaks. Mas isso não é o que o Pentágono deveria pesquisar. Novamente, Julian Assange disse: “Por que será que se anuncia uma investigação da fonte, antes de anunciar uma investigação da conduta potencialmente criminosa que se revela neste material?”
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2010 Amy Goodman
Texto traduzido do castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise
[*] Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.
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http://wikileaks.org/
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