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martes, novembro 07, 2017

Democracia na Catalunha: uma exigência, ... Por Isabel Pires - Além do direito à autodeterminação e do direito a votar, os acontecimentos mais recentes mostraram que precisamos de passar para a defesa da própria democracia, sob risco de se normalizarem atitudes profundamente antidemocráticas


Por Isabel Pires [*]
07.11.2017


Além do direito à autodeterminação e do direito a votar, os acontecimentos mais recentes mostraram que precisamos de passar para a defesa da própria democracia, sob risco de se normalizarem atitudes profundamente antidemocráticas.

duas reflexões que são importantes neste momento. Por um lado, o porquê da repressão e o que é que ela significa; por outro lado, que papel pode ou deve ter (ou não) a União Europeia.

Assim, a primeira coisa que temos o dever de fazer é desmentir o mito de que, de um lado sempre esteve uma Catalunha em radicalização vertiginosa e, do outro lado, uma Madrid impávida e serena, dialogante e democrática. Não é verdade e os acontecimentos isso mesmo têm provado.

Temos que começar pela justiça, pelo Ministério Público e pelos tribunais, acabando na utilização de força policial extrema. De um ao outro, o nível da repressão do estado espanhol sofreu uma escalada.

Para este percurso, o estado espanhol teve que criar a narrativa, mesmo sendo ela falsa, de que a expressão democrática na Catalunha era violenta para justificar a ordem de detenção do governo eleito, para justificar o ataque à liberdade de imprensa, para justificar o fecho de tipografias.

Em suma, para justificar todo o tipo de ataques a liberdades básicas, o estado espanhol baseia-se e justifica-se com uma mentira.

Isto leva-nos a outra constatação: o sistema judicial espanhol não é neutro nem independente. Não é, porque num conflito político, o Tribunal Constitucional Espanhol tem sempre demonstrado não ser independente da veia espanholista.

Não se pode colocar de lado o facto de o Tribunal Constitucional, desde 2010, vai contra todas as decisões tomadas relativas seja a referendos ou a independência. Por outro lado, o ministério público espanhol, não tendo autonomia face ao governo do estado espanhol, judicializa questões que são políticas no seu âmago.

Para fechar, como disse, o ciclo de escalada de repressão, a justiça escuda-se num falso argumento de que os governantes da Catalunha incitaram a protestos violentos. Ora, a violência foi claramente perpetrada pelos órgãos judiciais e policiais espanhóis; do lado do povo catalão, a expressão da democracia através do voto no referendo foi pacífico.

Como bem é declarado no manifesto que dá o mote para a Iniciativa Cidadã pela Defesa da Democracia na Catalunha, governantes, deputados e autarcas estão acusados de desobediência e de insurreição, tratando-os a todos como golpistas sem que, reconhecidamente, algum deles tenha pegado numa arma, conspirado contra a liberdade de algum cidadão ou praticado violência.

Por isso, há um problema grave quando a independência da justiça pura e simplesmente não existe. Com os recentes acontecimentos na Catalunha, prova-se que utilizar a justiça de uma forma tendenciosa para resolver problemas eminentemente políticos resulta em escalada de repressão sob falsos argumentos.

A segunda grande questão em cima da mesa e que importa analisar é se, afinal de contas, a União Europeia pode ou deve ter um papel na resolução da contenda? Não é uma questão fácil, e também ela se mascara de vários enganos.

Compreendendo que estão em causa vários direitos prescritos na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, não se pode considerar que a construção deste projeto europeu esteja feito por forma a fazer respeitar grande parte desses mesmos princípios.

Nesse caso, porque é que a União Europeia escolheu ignorar, com um estrondoso silêncio, a questão catalã?

A resposta pode ser mais fácil do que esperado: a União Europeia não vive bem com parlamentos nacionais. Não vive bem com democracia, já o sabemos, mas é mais do que isso: os sucessivos tratados que têm vindo a reformar a União Europeia vão sempre no sentido de retirada de competências aos parlamentos e governos nacionais, sem exceção.

Ora, quando o objetivo é sempre a retirada de competências aos parlamentos nacionais, é óbvio que esta instituição não pode viver bem com a proliferação de mais parlamentos. Por isso se escuda na defesa da legalidade no estado espanhol, obliterando por completo a questão das nacionalidades, o sentimento de pertença de um povo à sua nacionalidade.

Isto acontece porque é estrutural no projeto europeu que assim seja: basta recordarmo-nos das chantagens sucessivas que foram feitas aquando do referendo na Escócia. No caso da Catalunha a estratégia foi mais gravosa, tanto mais que estamos perante a utilização de violência extrema de um Estado sobre cidadãos. Não é aceitável este silêncio, seja qual for a justificação para o mesmo.

Não são as únicas grandes questões em cima da mesa, mas revestem-se de importância não só para perceber as raízes do conflito, mas também para perceber onde poderemos buscar soluções. Estas nunca serão fáceis e, com toda a certeza, não podem passar pelo ataque à democracia ou direitos fundamentais como o direito à livre escolha, sem condicionamentos.

Nesse caminho continuamos e nos mantemos, defendendo intransigentemente a democracia, onde quer que seja necessário.

[*] Isabel Cristina Rua Pires, nada o 21 de Xuño de 1990 (Isabel Pires). Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas. | Outros artigos da autora. Deputada na Asemblea da República Portuguesa. | No Facebook.



Nota.-
Intervenção na sessão “Iniciativa Cidadã pela Catalunha”, realizada na passada sexta-feira, 3 de novembro de 2017, em Lisboa. | Publicado en Esquerda.net. | 5 de novembro de 2017.
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