A esquerda precisa romper com a distância que há entre teoria e prática, aconselha o politólogo belga Eric Toussaint
Por: Patrícia Fachin | Tradução Luciana Cavalheiro , 30/03/2009
Ao avaliar a crise internacional e as propostas da esquerda frente à catástrofe que se forma no mundo contemporâneo, Eric Toussaint apresenta duas esquerdas diferentes e diz que ambas propõem rumos distintos para resolver o emaranhado que se formou nos últimos anos. Uma, explica, ainda se preocupa com o socialismo e com as questões ecológicas, fala em ecosocialismo, se manifesta através dos movimentos sociais, e luta para por em prática “soluções anticapitalistas, feministas e anti-racistas”. Na outra frente, está a esquerda social liberal ou social democrata, presente em governos como Barack Obama, Lula, Gordon Brown, Zapatero. Esses, afirma, além de investirem num modelo econômico neoliberal, são incapazes de perceber a amplitude da crise ecológica, “reforçam o modo de produção produtivista colocando talvez um pouquinho da cor verde sem, de forma alguma, adotar as medidas radicais que se impõem”.
A crise civilizatória por qual passa a humanidade atualmente é também, para o economista francês, reflexo da história da esquerda social democrata que “adaptou-se à sociedade capitalista”. Em entrevista especial concedida por telefone à IHU On-Line, Toussaint diz que, além de não se respeitar a “verdadeira democracia baseada na auto-gestão”, “a crise profunda da esquerda está ligada, de certa forma, a uma deformação das propostas dos socialistas, dos comunistas como Karl Marx e Friedrich Engels”. Ao defender o socialismo do século XXI, ele ressalta que ele não deve reproduzir o que foi colocado em prática no século XX, mas, sim, “ser uma resposta profundamente democrática e auto gerenciável às experiências negativas do passado”.
Questionado sobre a possibilidade de construir uma proposta mais radical que leve ao fim do capitalismo, ele é incisivo: “Isso implica em profundas mobilizações sociais para recolocar em pauta um verdadeiro processo revolucionário como o que triunfou há 50 anos em Cuba, em 01 de janeiro de 1959”. E enfatiza: “É preciso uma nova política anticapitalista, socialista e revolucionária que deve incluir uma dimensão feminista, ecologista, internacionalista, anti-racista. É preciso que estas diferentes dimensões sejam integradas de maneira coerente no que está em jogo no socialismo do século XXI.”
Eric Toussaint é doutor em Ciências Políticas, pela Universidade de Liége, Bélgica, e pela Universidade de Paris VIII, França. É autor de A bolsa ou a vida (São Paulo : Fundação Perseu Abramo, 2002).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor diz que para resolver os problemas das crises globais é necessário fazer uma ruptura radical. Isso ainda pode ser proposto pela esquerda? Como?
Eric Toussaint - Pode-se constatar, claramente, que a proposição de uma ruptura radical com a sociedade capitalista é feita por setores da esquerda, como partidos e organizações sociais. Ela partiu da esquerda radical em todo o mundo, através de partidos da esquerda revolucionária como, no Brasil, o PSOL, o PSTU. Há outros partidos com esta mesma orientação na América Latina. Na Europa, se constroem partidos revolucionários, como na França, onde acaba de ser fundado, há um mês, o novo partido anticapitalista, que tem como figura pública o funcionário dos correios Olivier Besancenot. Temos o mesmo processo em outros países, igualmente na Ásia. No que se refere aos movimentos sociais, toma-se conhecimento de suas declarações, adotadas no momento do Fórum Social Mundial em Belém, em 30 de janeiro. Constata-se também que esta declaração de movimentos sociais convida a uma ruptura total com o capitalismo e recusa a perspectiva de uma reforma do capitalismo e de uma nova regulamentação. Se lermos a declaração da Marcha Mundial das Mulheres adotada em 1º de fevereiro em Belém e a declaração final dos povos indígenas, percebemos que a mesma opção é afirmada. Então, minha resposta é: é claro que hoje, no mundo, diferentes partidos e diferentes organizações sociais propõem uma ruptura radical com o capitalismo.
IHU On-Line – Entre os setores da esquerda, duas opções são discutidas quando trata-se de pensar em modificações. Alguns buscam a superação da fase neoliberal recuperando um desenvolvimento regulado pela ação estatal, e outros defendem uma ruptura socialista. Esses são caminhos possíveis? Não está na hora de propor algo novo?
Eric Toussaint - Sim, é claro que estes caminhos são possíveis. O primeiro esquema que você descreve é colocado em prática por organizações de esquerda que estão na situação de governo. Esta é a política, por exemplo, de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; essa é a mesma política aplicada por Cristina Kirchner, Bachelet etc. Na Argentina, há dois meses, o governo de Cristina Kirchner renacionalizou os fundos de pensão. Então, estas políticas de recuperação, que é a primeira observação que você apresenta em sua questão, são colocadas em prática. Mas isso não permite responder, em minha opinião, ao desafio que nos estabelece a crise global. Pode-se constatar que a acepção política que mantém a dominação da crise capitalista sobre o conjunto da sociedade é a de que o Estado intervém facilmente como o Estado bombeiro para parar o incêndio provocado pela crise global do capitalismo.
Então, a outra observação que propõe uma verdadeira ruptura socialista, é o de um Estado de proposição. Não posso citar governos, atualmente no poder, que coloquem em prática de maneira coerente esta orientação, mesmo se alguns deles, como os de Hugo Chávez ou de Evo Morales, agem parcialmente nesta direção. Seus discursos são de ruptura socialista, mas suas práticas são mais moderadas do que isso. Então, será que o esquema mais radical é possível? Certamente que ele é possível. Mas isso implica em profundas mobilizações sociais para recolocar em pauta um verdadeiro processo revolucionário como o que triunfou há 50 anos em Cuba, em 1º de janeiro de 1959. Nesse momento, se assistiu a uma verdadeira revolução com mudanças intensas, com profundas redistribuições de riquezas, uma supressão do controle pelos capitalistas dos grandes meios de produção e uma profunda democratização também. Na sequência, Cuba, submetida ao bloco dos Estados Unidos e, igualmente, à influência da União Soviética, mudava parcialmente de direção. Mas não se pode esquecer disso. E eu acabo de indicar que isso começava por um autêntico processo revolucionário. Não vejo por que, diante desta crise capitalista global, não se poderia, novamente, conhecer, no futuro, explosões revolucionárias, como se conheceu em Cuba.
IHU On-Line – O senhor argumenta que o atual momento não trata apenas de uma crise econômica ou financeira, e diz que a questão é muito mais profunda. Em que sentido esse emaranhado global tem a ver também com a crise da esquerda? Podemos dizer que ambos aspectos estão entrelaçados?
Eric Toussaint - Sim. É uma boa questão. Há, efetivamente, uma crise da gestão social e liberal. E eu entro na gestão social liberal, na política do governo Lula, na política do governo Zapatero, na Espanha, ou de Gordon Brown, na Grã-Bretanha para dar exemplos, ao mesmo tempo, na Europa e na América do Sul. Há uma crise profunda, pois há aqueles que votaram para colocar estes governos no poder esperando outro tipo de política. É preciso lembrar, em todo o caso na eleição de Lula, que o programa com o qual ele foi eleito em 2002 anunciava uma verdadeira ruptura com as questões neoliberais. Ao invés de uma ruptura, assistiu-se a uma continuidade. Então, a crise de credibilidade da esquerda faz parte da crise global. É claro que, na memória coletiva, há também os ciclos dramáticos da experiência do socialismo real do século passado.
Na memória coletiva, fica a ideia de que o socialismo é associado com uma estatização completa da economia, com a dominação de um partido único e uma ausência de verdadeira liberdade democrática. Então, há, por um lado, um balanço muito negativo da gestão social liberal, ou seja, da política social democrata, e, por outro, um balanço desastroso da gestão staliniana ou do socialismo democrático que dominou a experiência do bloco soviético do século XX. Ainda não se superou esta crise de credibilidade. E é isto que está em jogo no debate do que alguns chamam de socialismo do século XXI.
O socialismo do século XXI deve ser uma resposta profundamente democrática e autogerenciável às experiências negativas do passado. Então, não se trata de reproduzir o que foi colocado em prática no decorrer do século XX. Trata-se de, diante desta crise global do sistema capitalista, com aspecto de crise de civilização, responder igualmente à crise da esquerda. É preciso uma nova política anticapitalista, socialista e revolucionária, que deve incluir uma dimensão feminista, ecologista, internacionalista, anti-racista. É preciso que estas diferentes dimensões sejam integradas de maneira coerente no que está em jogo no socialismo do século XXI.
IHU On-Line – Quais são as propostas da esquerda frente à crise financeira global?
Eric Toussaint - Há duas respostas diferentes da esquerda. Há a esquerda que aplica uma política social liberal, na qual mencionei Lula, Gordon Brown, Zapatero. Esta política não é muito diferente da política de Sarkozy na França ou mesmo de Berlusconi na Itália, ou de Bush ao qual se sucedeu Barack Obama. É uma política de salvamento de banqueiros: gastando-se enormemente o dinheiro público para manter um sistema bancário privado completamente dominado por grandes sociedades financeiras capitalistas. Bom, esta é a resposta da esquerda que está no poder e que sente forte a política da direita. No exemplo que acabo de dar, não se pode distinguir realmente uma diferença entre a política de Gordon Brown da de Sarkozy. Não se pode também fazer uma diferença entre a política de Lula em relação ao sistema financeiro privado e a política de Sarkozy, na França.
Há uma segunda opção de esquerda. Suas propostas são expressas na declaração adotada em Caracas em 10 de outubro de 2008, no momento de uma conferência internacional que se chamava “Resposta do Sul diante da crise Econômica Mundial” e pode-se encontrar o texto integral em diferentes sites na internet, principalmente no site cadtm. Esta declaração final de Caracas pede a nacionalização do setor bancário. Então, a nacionalização quer dizer que se transfere o setor bancário do setor privado para o setor público, ou seja, ocorre a nacionalização sem indenização. Quer dizer que se trata de o Estado tomar conta do setor bancário sem indenizar os grandes acionários. É preciso ir mais longe, na medida em que os grandes acionários e os administradores de bancos seguiram uma política que é responsável pela crise financeira global e, principalmente, da falência de toda uma série de bancos. Trata-se, para o Estado que nacionaliza estes bancos, de recuperar o custo da operação sobre o patrimônio de grandes acionários e administradores.
Então, o que estou dizendo deveria ter sido aplicado nos Estados Unidos e na Europa. Realizou-se, há pouco, nacionalizações de bancos em benefício dos capitais privados, ou seja, nos Estados Unidos e na Europa. Alguns Estados nacionalizaram bancos; os compraram com a intenção de encerrar suas contas e, em seguida, reprivatizaram estes bancos que serão saudáveis no final da crise. Esta foi a opção seguida até aqui. Mas deveria ter sido praticada a opção sugerida em Caracas, em 10 de outubro, ou a declaração adotada pela Assembléia de Movimentos Sociais, em 30 de janeiro, Belém. Ambas defendem a nacionalização sem indenizar, e a recuperação do custo de nacionalização através do patrimônio dos grandes acionários e administradores destas sociedades.
Medidas
É preciso adotar outras medidas para enfrentar a crise. É preciso, por exemplo, como medida de urgência, uma redução radical do tempo de trabalho dos assalariados sem perda de salário. Então, é necessário repartir o trabalho disponível em nossa sociedade, dando emprego a muito mais pessoas do que até então e permitir àqueles que trabalham hoje de trabalharem menos, mas garantindo seus salários. Caso se garanta os salários daqueles que trabalham hoje e, caso se dê trabalho àqueles que não o têm, evidentemente aumenta-se o poder aquisitivo daqueles que trabalham e se pode recuperar a economia. É uma política de urgência que tem várias vantagens. Tem a vantagem de dar trabalho àqueles que não o têm, de aumentar a contribuição paga pelos trabalhadores, uma vez que terá mais trabalhadores que pagam as contribuições sociais e isso aumenta as entradas do Estado, entre as quais a da previdência social. E isso garante o pagamento das aposentadorias mais tarde, ou seja, das pensões que são pagas aos trabalhadores que têm direito à aposentadoria. Pode permitir, também, haver entradas para pagar as alocações sociais para as pessoas que não têm emprego, e alimentar um fundo para este famoso seguro universal que é proposto em vários países.
Seria preciso, então, como medida mais estrutural, terminar com o controle privado sobre os grandes meios de produção, os serviços do comércio, bancários etc. e, também, nos serviços do setor cultural e da informação. Na verdade, os grandes meios de produção, de comunicação e de serviços estão nas mãos do capital privado. Seria preciso, na verdade, transferir o controle e a propriedade destes grandes meios de produção para o setor público. E combinar o controle público e a propriedade pública com os grandes meios de produção com outras formas de propriedade: a pequena propriedade privada e familiar no campo da agricultura ou do artesanato ou de serviços.
Por exemplo, os eletricistas, os encanadores, toda uma série de profissões muito importantes no campo da vida cotidiana, na qual é muito normal de se ter uma pequena propriedade individual. É preciso se desenvolver também outras formas de propriedade como a cooperativa, a comunitária; proteger a forma de propriedade tradicional dos povos originais ou dos povos indígenas; e, além disso, principalmente no que diz respeito à propriedade pública, ter um controle cidadão, um controle democrático sobre o setor público. Então, isso seria uma ruptura radical com o sistema capitalista. Seria necessária uma série de outras medidas para responder às diferentes dimensões da crise global.
Para responder às mudanças climáticas, a outros aspectos da crise ecológica e à crise alimentar seria preciso, é claro, colocar em prática uma política de soberania alimentar para garantir que em cada país os produtores locais vão satisfazer a demanda da população sem recorrer a importações de alimentos provenientes do mercado mundial. Eis aqui algumas propostas de reforma radical, revolucionária do sistema.
IHU On-Line – O que está acontecendo com a esquerda mundial? Por que existe uma lacuna bastante grande entre a teoria e a prática do pensamento político de esquerda?
Eric Toussaint - A esquerda mundial atravessa uma crise profunda devido a sua história. A história da corrente social democrata é uma derrota profunda, pois adaptou-se à sociedade capitalista. É também a derrota da esquerda, para utilizar uma palavra conhecida, da esquerda staliniana, ou seja, a experiência que dominou as tentativas de construção do socialismo na União Soviética e na China. Esta também foi uma derrota profunda, pois não se respeitou a verdadeira democracia baseada na autogestão, porque se quis tudo estatizar e tudo dominar a partir do Estado. Houve um profundo erro. O socialismo não é o controle de toda economia pelo Estado. E, justamente, a crise profunda tem a ver com a questão seguinte que você previu. A crise profunda da esquerda está ligada, de certa forma, a uma deformação das propostas dos socialistas, dos comunistas como Karl Marx e Friedrich Engels. Karl Marx dizia que a sociedade à qual nós aspiramos, o comunismo, é a associação livre dos produtores livres. Dizia também que a emancipação dos trabalhadores será a obra dos próprios trabalhadores. Marx acrescentava que o Estado, no comunismo, terá desaparecido. E o socialismo é a transição entre o capitalismo e o comunismo. E, no socialismo, o Estado existe ainda, mas, ele existe de maneira provisória e deve visar ao seu próprio desaparecimento.
Ora, o que foi feito na experiência soviética? Ao invés de provocar o desaparecimento do Estado, a parte comunista, sob a direção de Stalin reforçou como nunca o Estado, e proibiu aos outros toda uma série de expressões democráticas. Foi uma profunda perversão do projeto socialista que é, ao contrário, profundamente democrático. Se pegamos a experiência dos socialistas, o que eu chamo de social democracia, Lula, Daniel Ortega, da Nicarágua, Zapatero e Gordon Brown também não são a favor do desaparecimento do Estado. São a favor da manutenção do Estado capitalista com socialistas no governo. Então, eles precisam de um Estado capitalista regulamentando um pouquinho a atividade do capital.
A esquerda que está no poder e que dominou no passado traiu o verdadeiro projeto libertador e emancipador do socialismo. Aí, estão, portanto, as razões profundas da crise da esquerda. Há uma esquerda radical e revolucionária que defende o projeto socialista original, que tenta, a partir de uma atividade nos movimentos sociais, fortalecer através de diferentes meios. Esta esquerda radical participa também das campanhas eleitorais. Ela tenta eleger parlamentares que conduzam uma luta anticapitalista nas instituições parlamentares, ligada à uma perspectiva de ruptura, não a uma perspectiva de adaptação ao sistema. A ideia é de favorecer uma autêntica revolução, uma transformação radical das relações de propriedade e das relações sociais na sociedade.
IHU On-Line - As linhas mestras do marxismo foram deturpadas naquilo que elas realmente queriam dizer? Como fica a questão ecológica atual dentro do pensamento marxista?
Eric Toussaint - Em relação ao projeto socialista, tal como foi concebido por Karl Marx no decorrer do século XIX, é preciso acrescentar que, nas dimensões que Marx projetou, não se desenvolveu ou não desenvolveu suficientemente. Uma dimensão profundamente feminista, que questiona um sistema de dominação patriarcal, e a dimensão ecologista não foram desenvolvidas por Marx mesmo se ele tivesse uma percepção, um projeto emancipador como incluindo o homem na natureza. Marx considerava que a humanidade é parte integrante da natureza. Não há, em Marx, uma dicotomia entre o homem ou a humanidade de um lado e a natureza de outro. Então, na percepção dele, havia uma concepção que preparava a levar em conta os problemas ecológicos.
Estes aspectos são a herança de um pouco mais de dois séculos de aplicação dos modos de produção capitalista e produtivista com uma destruição e um desrespeito da natureza. E aí, para ser completo na crítica, é preciso dizer que a experiência socialista, do socialismo real do século XX, é também profundamente negativa, uma vez que, seja na União Soviética, seja na China maoísta, havia um desrespeito da natureza, um estabelecimento, um desenvolvimento brutal e agressivo de um modo de produção produtivista que contribuiu nestes países para destruir a natureza do mesmo modo como em países da Europa Ocidental ou da América do Norte. Então, é preciso romper com a distância que há entre a teoria e a prática. É preciso voltar à teoria no que ela tinha de revolucionário e inovador. É necessário integrar às contribuições de Marx a reflexão sobre os problemas da sociedade de hoje. É necessário integrar às contribuições de Marx a reflexão sobre os problemas da sociedade de hoje, como a questão ecológica, e também a dimensão feminista, que é um aporte extremamente importante após um combate estabelecido há séculos pelas mulheres. Havia dirigentes mulheres revolucionárias mesmo antes de Marx. Principalmente dirigentes revolucionárias no curso da revolução francesa em 1789, que manifestaram já na época reivindicações feministas. Mas o movimento feminista foi, sobretudo, desenvolvido e colocou em questão a dominação patriarcal no curso dos 60 últimos anos e hoje tem um projeto revolucionário. Por isso, deve ser integrada absolutamente esta dimensão feminista.
IHU On-Line – Além de questões econômicas e políticas, percebemos, nesse momento de crise, que um novo paradigma energético e ecológico é tido como urgente e indissociável da superação dos problemas. A esquerda ainda não percebeu a gravidade dessas questões?
Eric Toussaint - Não. Penso que a esquerda radical levou em conta perfeitamente a gravidade destas questões. É por isso que ela propõe uma alternativa feminista, ecologista, anti-racista, anticapitalista e socialista. E a dimensão ecologista é extremamente importante e por isso esta esquerda radical fala de ecosocialismo visando ecologia e socialismo. Porém, a esquerda social liberal ou social democrata que está no poder não levou e conta a amplitude da crise ecológica. Por isso, se pode constatar que, durante a gestão social liberal de Lula no Brasil, continuou-se a destruir uma região como a Amazônia no mesmo ritmo que no governo de Fernando Henrique Cardoso e seus antecessores. No decorrer dos últimos cinco anos da gestão de Lula, se procedeu o desatamento na Amazônia em um território que equivale ao território da Venezuela. E, se tomamos como exemplo outros governos de esquerda tradicional como Gordon Brown ou Zapatero na Europa, há também exatamente uma incapacidade de dar-se conta da amplitude da crise ecológica. Então, minha resposta a esta última questão é: a esquerda radical leva em conta esta crise ecológica e propõe uma resposta ecosocialista enquanto que a esquerda tradicional continua e reforça o modo de produção produtivista colocando talvez um pouquinho da cor verde sem, de forma alguma, adotar as medidas radicais que se impõem.
IHU On-Line - O que esse momento histórico representa para a humanidade?
Eric Toussaint - A humanidade é novamente um cruzamento histórico. A crise global tem suas diferentes dimensões ecológicas, alimentares, migratórias, financeiras, econômicas, assim como a crise da governança mundial e a sequência das guerras como a do Iraque e no Afeganistão combinado com o desrespeito dos direitos dos povos como o desrespeito principalmente do povo palestino em território e em Estado. Este momento histórico confronta a humanidade com a presença de um cruzamento. Ela tem diante de si duas direções: por um lado, a saída capitalista, ou seja, uma solução que tem o capitalismo, proposta por Barack Obama, Lula, Sarkozy, Gordon Brown, Zapatero, o governo chinês etc.; por outro, a escolha é virar as costas ao capitalismo e colocar em prática soluções anticapitalistas, ecologistas, feministas e anti-racistas. Espero que a humanidade faça a última escolha, pois se quisermos responder ao conjunto da crise global é preciso uma reposta anticapitalista e feminista global.
Fonte: unisinos.br/ihu
Nota:
1.- Oliver Besancenot: integrante da Liga Comunista Revolucionária (LCR), foi o mais jovem candidato à presidência da França, representando partido de extrema-esquerda. Nas eleições de 2002, obteve 4,25% dos votos. Neste ano, nos dias 5 a 8 de fevereiro, participou da fundação do Novo Partido Anticapitalista (NPA). Na véspera, a Liga Comunista Revolucionária (LCR) tinha votado sua dissolução, com 87% de votos, depois de quarenta anos de existência. (Nota da IHU On-Line)
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>> Eric Tousaint já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Ela está disponível na nossa página eletrônica www.unisinos.br/ihu.
Entrevista:
* “Interconexão entre as crises”. Edição número 285, intitulada Alternativas energéticas em tempos de crise financeira e ambiental, de 08-12-2008.
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