Por Rafael Michelini (*)
27.11.2009
Uma nova vitória da Frente Ampla no Uruguai e a confirmação de mais cinco anos no governo também terá impacto sobre as lideranças políticas de direita. Algumas das características da "nova direita" começaram a ser delineadas nesta campanha eleitoral. Já estamos presenciando uma política e um discurso mais irresponsáveis. Movidos por necessidades imediatas, muitos de seus membros ou candidatos, irão desenvolver uma forma mais demagógica para tentar recuperar votos perdidos e ganhar apoio em suas regiões, não importando qualquer implicação nacional de suas propostas. O artigo é do senador Rafael Michelini.
Em 29 de novembro, quando as urnas confirmarem a vitória da fórmula Mujica/Astori, começará a transição para um novo governo da Frente Ampla e estará aberto um novo tempo político no país. Esta será uma etapa rica de acontecimentos e uma das mais importantes para determinar um novo mapa político no Uruguai.
Estará consolidada a continuidade no governo da Frente Ampla, estará confirmada a política de condução e de transformação, liderada pelo presidente mais bem sucedido e reconhecido na história moderna do Uruguai, Tabaré Vázquez e será ratificado o apoio da cidadania ao programa de governo surgido no V Congresso da Frente Ampla, chamado de Zelmar Michelini (*), realizado em dezembro do ano passado. José Mujica como presidente e Danilo Astori como vice-presidente, serão os responsáveis por liderar um novo governo nacional, que dará continuidade ao projeto político de esquerda, para uma nova fase de progresso e mudanças para o país.
Mas uma nova vitória da Frente Ampla e da confirmação de mais cinco anos no governo, também terá impacto sobre as lideranças políticas de direita. Uma nova derrota eleitoral será um duro golpe para as lideranças dos partidos tradicionais, que tiveram mais uma vez contestadas suas propostas, colocando na mesa o desafio da renovação e da mudança com a contestação dos atuais dirigentes.
Estamos mais próximos do fim de uma era e de um modelo de fazer política, tradicional e caudilhista, separado do povo. O mais importante nesta nova derrota da direita em 29 de Novembro é o fato de que ela representa também um duro golpe contra um dos piores vícios da política tradicional: a política do clientelismo, que antes e depois da ditadura, foi padrão de poder de líderes blancos e colorados de todo o país.
Assistiremos a uma mudança inevitável na política da direita no Uruguai. Veremos um processo que terá de um lado o declínio final do clientelismo e em segundo lugar a retirada obrigatória dos líderes mais bem-sucedidos e representativos do pensamento e da política da direita nacional.
Para muitos de nós, que desde a restauração da democracia estamos acostumados à presença invariável de lideranças tradicionais em ambos os partidos, políticos que estiveram na vanguarda da política uruguaia, saber que nos próximos cinco anos estarão fora do cenário, é um verdadeiro alívio e um dos dados mais animadores ao pensar o futuro do país.
Nem Lacalle, nem Batlle, nem Sanguinetti voltarão a serem candidatos novamente e já não terão a mesma influencia sobre as decisões dos seus partidos, se blancos e colorados apostam em retomar seus partidos e propostas políticas para reconstituir uma proposta política mais moderna.
Nós não sabemos se quando a direita conseguir recompor sua mensagem e seu poder de convocar a sociedade, fará isto cortando os vínculos com seu passado como fez na Espanha, ou retomará os mesmos caminhos que estão marcando suas lideranças desgastadas. Não se sabe quanto tempo levará este processo, se um ou dois mandatos de governo e se Pedro Bordaberry será o novo porta-estandarte de blancos e colorados, ou talvez pague pelo enorme custo político da defesa incondicional do papel de seu pai no golpe de Estado e a ascensão da ditadura, oportunizando que apareçam novos dirigentes com menos resistências do eleitorado.
O certo é que depois do 29 de novembro a direita vai mudar e vai agir diferente da sua forma de expressão política atual. Também é de se supor, como da vez anterior, blancos e colorados necessitem de alguns anos para aceitar a realidade de uma nova derrota. A derrota eleitoral pode pautar muitas posições políticas da direita nos próximos meses, desconcertando a todos, como fizeram durante este período recente.
Mas algumas das características da "nova direita" começaram a ser delineadas nesta campanha eleitoral. Vamos ter direito a uma política e um discurso mais irresponsáveis. Movidos por necessidades imediatas, muitos de seus membros ou candidatos, irão desenvolver uma forma mais demagógica para tentar recuperar votos perdidos e ganhar apoio em suas regiões, não importando qualquer implicação nacional de suas propostas.
Vamos ter uma direita mais populista. Impedida e restringida na possibilidade de praticar o clientelismo político e no afã de recompor poder de convocação eleitoral, começará a prometer coisas que não podem ser atendidas ou que simplesmente pelo seu impacto nas finanças públicas são irrealizáveis. A atual proposta de campanha de Luis Alberto Lacalle de renúncia fiscal, eliminação de impostos ou diminuição do imposto de renda pessoa física, de um lado, com aumentos para aposentados e destinação de mais recursos para as políticas sociais, tudo sem dar qualquer explicação de como conseguira financiar as medidas propostas são os primeiros exemplos do que será o perfil da direita populista no futuro.
Durante os 20 anos que governaram juntos colorado e blancos, foi instalado na política do dia-a-dia como resposta a todas as reclamações e propostas da oposição e da sociedade civil o discurso do "não pode". Surpreendentemente e sem qualquer explicação, nesta campanha eleitoral, surgiu como resposta "agora tudo pode" acompanhando as iniciativas mais irresponsáveis.
O efeito de uma segunda vitória da Frente Ampla não só trará conseqüências para o país, seu rumo e a construção do nosso futuro, a mudança terá efeitos significativos na direita e nos partidos tradicionais. A Frente Ampla como força política e nosso futuro governo terá que ser muito cuidadoso e muito responsável, para evitar provocações e as políticas nocivas que vêm do desespero da derrota. Teremos que conjugar muito calma e cautela, com toda a flexibilidade e abertura possível para oferecer um diálogo político sério sobre as políticas mais importantes a serem aplicadas nas áreas nevrálgicas do país.
O público irá nos dar uma enorme responsabilidade de governar o país por mais cinco anos. Os problemas e desafios da construção do desenvolvimento do nosso país vão se juntar com o fato de que vamos governar com a oposição dos partidos tradicionais, cada vez mais inclinados para a direita e desesperados.
A vitória de Mujica e Astori, em 29 de Novembro, é a consolidação de um projeto de desenvolvimento nacional que tem a Frente Ampla no governo como seu principal protagonista, tanto na condução como gestão dos principais objetivos do país. Representa à confirmação da mudança, a continuidade das nossas reformas, a criação de novas transformações. Para a direita é muito mais do que uma derrota eleitoral e eles sabem muito bem disso.
(*) Senador, Novo Espaço FA, filho de Zelmar Michellini, líder político da recém fundada Frente Ampla que foi assassinado nos anos 70, na Argentina, por militares uruguaios.
Tradução: Gustavo de Mello
Fonte: Carta Maior
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