luns, xaneiro 16, 2017

“O que está a acontecer na União Europeia é uma mentira”, afirmou a eurodeputada Catarina Martins este domingo, em Berlim, numa homenagem a Rosa Luxembugo organizada pelo Die Linke - “...todos somos vítimas de uma União Europeia que ataca direitos dos trabalhadores para proteger os grandes bancos e corporações”


O que está a acontecer na União Europeia é uma mentira”, afirmou a eurodeputada Catarina Martins este domingo, em Berlim, numa homenagem a Rosa Luxembugo organizada pelo Die Linke, continuou  “...todos somos vítimas de uma União Europeia que ataca direitos dos trabalhadores para proteger os grandes bancos e corporações”... "Nós não temos de escolher entre os neoliberais e a direita. Podemos escolher a democracia e os direitos dos trabalhadores".

O Esquerda.net transcreve, na íntegra, a intervenção de Catarina Martins:

Agradeço ao Die Linke o convite para estar convosco neste dia.

Um dia para honrar Rosa Luxemburgo, uma mulher cuja vida nos inspira a todos, uma feminista que abriu-nos o caminho, uma militante anti-guerra, e uma marxista cujo pensamento e luta moldaram e reforçaram a esquerda.

E no começo de 2017, o ano de todos os riscos políticos e um ano eleitoral na Alemanha, precisamente quando comemoramos cem anos da Revolução de Outubro.

Estou aqui hoje em solidariedade. Os problemas no meu país, Portugal, e aqui, na Alemanha, podem ser diferentes. Mas todos somos vítimas de uma União Europeia neoliberal que ataca direitos dos trabalhadores para proteger os grandes bancos e corporações.

Em Portugal, o salário médio é metade do vosso salário mínimo. O nosso salário mínimo líquido está abaixo dos €500 por mês. 10% dos trabalhadores são pobres. O desemprego jovem está acima dos 25%. Mais de 70% da pensões de reforma são mais baixas do que o salário mínimo. Uma em cada cinco pessoas é pobre. Uma em cada três crianças é pobre.

Portugal é também um dos países europeus onde mais anos se tem de trabalhar para conseguir uma pensão de reforma. Os trabalhadores em Portugal têm dos horários mais longos de toda a Europa trabalham mais dias do que a média europeia. Os gregos, ainda mais horas.

Portanto, se alguém vos disser que a Europa do Sul é preguiçosa está a mentir. Se alguém vos disser que trabalhadores na Alemanha estão a pagar a preguiça do Sul, é mentira.

O que está a acontecer na Europa é a repetição de uma velha mentira, ou de um truque de magia básico:

Quando o 1% dos mais ricos acumula ainda mais riqueza, e quanto os restantes 99% da população estão a ficar mais pobres, apontando o dedo aos mais pobres - a Europa do Sul, os migrantes, os refugiados, as minorias - isto é uma forma de evitar que as pessoas olhem para quem nos está a roubar. Apontar para a Europa do Sul enquanto o capital financeiro nos assalta em casa.

A coisa mais revolucionária que alguém pode fazer é proclamar o que está a acontecer".

E o que está a acontecer na União Europeia é uma mentira.

Prometeram-nos uma União Europeia de paz e desenvolvimento. Mas agora, quando olhamos para a crise económica, a crise de refugiados, muralhas a serem construídas, o surgir da extrema-direita, a política do medo e do ódio, em tantos países europeus, a total inabilidade das instituições europeias em lidar com o aquecimento global, nós sabemos que a promessa era uma miragem. Mesmo os que acreditaram e trabalharam para cumprir a promessa de uma União Europeia da solidariedade e coesão, sabem que a União Europeia de hoje é parte da crise. Portanto nós devemos questionar as nossas instituições comuns. Não porque não acreditamos na solidariedade e coesão, não porque tenhamos desistido dos objetivos da paz e desenvolvimento, mas precisamente por sermos solidários, por queremos coesão, desenvolvimento e paz.

Após a crise financeira de 2007-2008, governos em todo o mundo prometeram novas regras para controlar o sistema bancário e proteger os cidadãos. Em vez disso, criaram novas regras para limitar a democracia e proteger o setor financeiro.

A crise de dívida privada que Portugal atravessa, tal como Espanha, Itália e Grécia, foi criada para salvar bancos. E foi a desculpa perfeita para impor um processo de neoliberalização rápida dos países europeus. Privatizações, liberalizações, desregulação, o enfraquecimento do estado providência, ataque aos direitos laborais, precariedade.

Nenhuma das políticas liberais impostas resolveu qualquer problema. As dívidas públicas sobem na zona euro porque a austeridade criou uma crise económica para baixar os direitos dos trabalhadores e os salários. E quando os salários baixam num país, isso cria pressão em todos os restantes para baixarem salários também.

Os salários baixos em Portugal estão a pressionar a descida dos salários na Alemanha. Não porque seja essa a escolha dos trabalhadores, ou porque seja sequer uma necessidade económica, seja em Portugal ou na Alemanha, mas porque o capital financeiro necessita de baixos salários para aumentar os seus lucros.

Educação, saúde pública, serviços públicos, estão cada vez mais frágeis, não porque não há dinheiro, mas porque é aí que está o dinheiro. E a banca internacional e as corporações querem ficar com ele.

Quando tratados e regras europeias substituem as escolhas democráticas dos parlamentos nacionais e entregam poder a instituições que nenhum de nós elegeu, não é porque cada decisão nacional poderia atacar a solidariedade europeia -olhem para todos os regimes proto-fascistas que a União Europeia tem como parceiros- é porque soberania popular, democracia, é um obstáculo ao projeto neoliberal europeu (e os ataques à democracia escalaram de intensidade com os acordos CETA e TTIP que submetem estados a corporações). Neoliberais odeiam democracia e é por isso que têm medo de trabalhadores com direitos e organizados.

Após cinco anos de cortes de salários e pensões, de privatizações de setores estratégicos e empresas públicas, desregulação do código laboral, depois de cinco anos de políticas neoliberais, Portugal não conseguia gerir o problema da dívida pública ou do défice orçamental, e não conseguia resolver sequer os problemas bancários, a economia afundou e o desemprego causou a maior onda de emigração desde a ditadura fascista e a guerra colonial dos anos 60. Mas durante todo este tempo, as instituições europeias e o governo europeu apresentaram Portugal como um bom exemplo.

Mas quando, após as eleições de 2015 que permitiram um governo minoritário apoiado pela esquerda no parlamento, houve uma pequena recuperação de salários e pensões, quando as privatizações pararam, quando algumas medidas de combate à pobreza foram implementadas, a economia recuperou um pouco, alguns empregos foram criados e até o défice baixou. E foi aí que as instituições europeias começaram a dizer que Portugal era um problema.

É óbvio que o problema a dívida pública se mantém. E vai-se manter enquanto não reestruturarmos a dívida. Porque o problema da dívida não foi criado apenas por Portugal, mas por uma resposta europeia trágica à crise financeira e por uma união monetária desenhada para ser uma auto-estrada do capital da periferia para o centro.

E estou consciente de que os trabalhadores alemães não sentiram benefícios desta política. Porque esta transferência de riqueza não aconteceu entre os trabalhadores portugueses e os trabalhadores alemães. Aconteceu de todos os trabalhadores para o capital financeiro.

Portanto, quando Schauble ataca Portugal, desconfiem. O problema para a Alemanha ou para a Europa não é o défice público de Portugal. Ele está apenas a usar o truque de magia para desviar a vossa atenção do Deutsche Bank e os verdadeiros riscos para a economia alemã.

Quando a direita e extrema-direita nos diz que os refugiados são terroristas e que a ameaça às nossas liberdades e segurança, desconfiem. Refugiados são vítimas do terror e estão a tentar fugir do terrorismo. A ameaça à paz é a militarização da Europa e a guerra. A ameaça à liberdade e segurança são as políticas reacionárias que negam direitos iguais às mulheres ou às minorias.

E quando os sociais democratas e os conservadores nos dizem que se atacarmos os tratados europeus, ou o Banco Central Europeu e as regras do euro, somos exatamente como a extrema-direita, eles estão apenas a tentar que a História chegue ao fim e que a austeridade seja o melhor a que podemos aspirar.

Nós não temos de escolher entre os neoliberais e a direita. Podemos escolher a democracia e os direitos dos trabalhadores.

A direita não tem nada para oferecer a não ser medo e ódio. A esquerda constrói a resposta em solidariedade, com esperança, sem medo. Como Rosa Luxemburgo nos ensinou, há um novo mundo que precisa de ser construído”.

Fonte: Esquerda.net | 15 de Janeiro, 2017 - 17:16h.
Fonte:  Foto de Paulete Matos.

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