Michael Löwy [*] reformula a Opção Ecossocialista
O pensador que ajudou a conceber a articulação entre marxismo e movimentos verdes volta a ela, aprofunda-a e sustenta: pode ser caminho, diante da crise civilizatória e da onda conservadoraIntrodução
A civilização capitalista contemporânea está em crise. A acumulação ilimitada de capital, a mercantilização de tudo, a exploração impiedosa do trabalho e da natureza e uma brutal competição solapam as bases de um futuro sustentável e portanto colocam em risco a própria sobrevivência da espécie humana. A ameaça profunda e sistêmica que enfrentamos demanda uma transformação profunda e sistêmica: uma Grande Transição.
Ao sintetizar os princípios básicos de ecologia e a crítica marxista da economia política, o ecossocialismo oferece uma alternativa radical a um status quo insustentável. Ao rejeitar uma definição capitalista de “progresso”, baseada em crescimento de mercado e expansão quantitativa (a qual, como demonstra Marx, é um progresso destrutivo), defende políticas fundadas em critérios não-monetários, como as necessidades sociais, o bem estar individual e o equilíbrio ecológico. O ecossocialismo propõe uma crítica tanto da “ecologia de mercado” mainstream, que não desafia o sistema capitalista, como “socialismo produtivista”, que ignora limites naturais.
À medida em que as pessoas vão percebendo, cada vez mais, como as crises econômicas e as crises ambientais estão entrelaçadas, o ecossocialismo tem ganhado aderentes. O ecossocialismo, enquanto movimento, é relativamente novo, mas alguns de seus argumentos básicos vêm desde a época dos escritos de Marx e Engels. Atualmente, intelectuais e ativistas estão recuperando este legado e buscando uma reestruturação radical da economia, em acordo com os princípios do planejamento democrático ecológico, colocando as necessidades humanas e do planeta em primeiro plano e acima de tudo.
Os “socialismos de fato existentes” do século XX, com suas frequentes burocracias alheias à questões ambientais, não oferecem um modelo atrativo para os atuais ecossocialistas. Em vez disso, devemos traçar um novo caminho à frente, que conecte a miríade de movimentos ao redor do mundo que compartilham a convicção de que um mundo melhor não é somente possível, mas também necessário.
Planejamento Democrático Ecológico
O núcleo do ecossocialismo é o conceito do planejamento democrático ecológico, no qual a própria população, não “o mercado” ou o comitê central do partido comunista tomam as decisões sobre a economia. No início da Grande Transição para este novo modelo de vida, com seu novo modo de produção e consumo, alguns setores da economia terão de ser suprimidos (por exemplo, a extração de combustíveis fósseis implicados na crise climática) ou reestruturados, enquanto novos setores são desenvolvidos. A transformação econômica deve ser acompanhada de uma ativa busca de pleno emprego, com condições iguais de trabalho e remuneração. Está visão igualitária é essencial tanto para construir uma sociedade justa como para atrair o apoio da classe trabalhadora para a transformação estrutural das forças produtivas.
Em última instância, tal visão é irreconciliável com o controle privado dos meios de produção e do processo de planejamento. Em particular, para que investimentos e inovações tecnológicas sirvam ao bem comum, a tomada de decisões deve ser retirada dos bancos e empreendimentos capitalistas que atualmente a controlam e colocada sob domínio público. Então, a própria sociedade — nem uma pequena oligarquia de donos de propriedade, nem uma elite de tecno-burocratas — irão democraticamente decidir quais linhas produtivas serão privilegiadas, e como os recursos serão investidos em educação, saúde e cultura. Grandes decisões nas prioridades de investimento – tais como terminar todas instalações a base de carvão ou direcionar subsídios agrícolas à produção orgânica – seriam tomadas por voto popular direto. Outras, menos importantes, seriam tomadas por grupos eleitos, em suas relevantes escalas, nacional, regional ou local.
Apesar do receio dos conservadores do “planejamento central”, o planejamento democrático ecológico, fundamentalmente, implica mais liberdade, não menos, por diversas razões. Primeiro, ele oferece libertação das reificadas “leis econômicas” do sistema capitalista que aprisiona os indivíduos no que Max Weber chamou de “jaula de aço”. Os preços dos bens não seriam deixados para as “leis de oferta e demanda”, mas em vez disso, iriam refletir prioridades sociais e políticas, com o uso de impostos e subsídios para incentivar bens sociais e desarticular os males sociais. Idealmente, enquanto a transição ecossocialista avança, mais produtos e serviços fundamentais para atender as necessidades humanas seriam oferecidos de forma gratuita, de acordo com a vontade dos cidadãos.
Segundo, o ecossocialismo é mensageiro de um aumento substancial do tempo livre. Planejamento e redução da jornada de trabalho são dois passos decisivos rumo ao que Marx chamou de “o reinado da liberdade”. Um aumento significativo de tempo livre é, de fato, uma condição para a participação dos trabalhadores nas discussões democráticas e gestão da economia e da sociedade.
Por último, o planejamento democrático ecológico representa o pleno exercício, pela sociedade, de sua liberdade para controlar decisões que afetam seu destino. Se o ideal democrático não concede o poder de tomada de decisão a uma pequena elite, por que o mesmo princípio não deveria ser aplicado para as decisões econômicas? Sob o capitalismo, o valor de uso – o valor de um produto ou serviço ao bem estar – existe apenas a serviço do valor de troca, ou valor no mercado. Deste modo, muitos produtos na sociedade contemporânea são socialmente inúteis, ou desenhados para serem rapidamente substituídos (obsolescência programada). Em contraste, em uma economia ecossocialista planejada, o valor de uso seria o único critério para a produção de bens e serviços, com consequências econômicas, sociais e ecológicas de longo alcance [1].
O planejamento seria focado em decisões econômicas de larga escala — não as de pequena escala, que podem afetar restaurantes locais, mercados, pequenas lojas ou empreendimento artesanais. Mais importante, tal planejamento é consistente com a autogestão, pelos trabalhadores, de suas unidades produtivas. A decisão, por exemplo, de transformar uma planta de produção automobilística para produzir ônibus e bondes, seria tomada pela sociedade como um todo, mas a organização e o funcionamento internos do empreendimento seriam democraticamente administradas pelos trabalhadores. Há muitas discussões sobre o caráter “centralizado” ou “descentralizado” do planejamento, mas mais importante é o controle democrático em todos os níveis – local, regional, nacional, continental ou internacional. Por exemplo, questões ecológicas do planeta, como o aquecimento global, devem ser tratadas em uma escala global e portanto, requerem alguma forma de planejamento democrático global. Isso posto, a tomada democrática de decisões é bem o oposto do que geralmente se descreve, frequentemente com desdém, como “planejamento central”, já que as decisões não são tomadas por um “centro”, mas democraticamente decididas pela população afetada em sua respectiva escala.
O debate democrático e plural deverá ocorrer em todos os níveis. Por meio de partidos, plataformas ou outros movimentos políticos, proposições variadas seriam submetidas às pessoas, e delegados seriam respectivamente eleitos. Entretanto, democracia representativa deve ser complementada – e corrigida – por uma democracia direta possibilitada pela Internet, por meio da qual as pessoas irão escolher – em nível local, nacional e posteriormente global – entre as grandes opções sociais e ecológicas. O transporte público deveria ser gratuito? Os proprietários de carros devem pagar impostos especiais para subsidiar o transporte público? A energia solar deveria ser subsidiada, a fim de competir com energia fóssil? A jornada de trabalho semanal deveria ser reduzida para 30, 25 horas ou menos, com uma respectiva redução da produção?
Tal planejamento democrático precisa de contribuições de estudiosos, mas seu papel é educacional, para apresentar, à consideração popular dos processos de tomada de decisão, visões informadas ou resultados alternativos. Qual a garantia de que as pessoas irão tomar as decisões ecologicamente sãs? Nenhuma. O ecossocialismo aposta que as decisões democráticas se tornarão, cada vez mais, razoáveis e esclarecidas, enquanto a cultura muda e as garras do fetichismo das mercadorias sejam quebradas. Ninguém pode imaginar tal nova sociedade sem o alcance, por meio da luta, auto educação e experiencia social, de um alto nível de consciência socialista e ecológica. Em qualquer caso, não são as alternativas – o mercado cego ou uma ditadura ecológica de “experts” — muito mais perigosas?
A Grande Transição do progresso destrutivo capitalista ao ecossocialismo é um processo histórico, uma permanente transformação revolucionária da sociedade, cultura e mentalidades. Promulgar esta transição leva não só a um novo modo de produção e uma sociedade igualitária e democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização ecossocialista, além do reinado do dinheiro, além de hábitos de consumos artificialmente produzidos pela publicidade, e além da produção ilimitada de commodities que são inúteis e/ou danosas ao meio ambiente. Tal processo transformativo para um programa ecossocialista depende do apoio ativo da vasta maioria da população. O fator decisivo ao desenvolvimento da consciência socialista e ecológica é a experiencia coletiva da luta, de confrontos locais e parciais até a mudança radical da sociedade global como um todo.
A Questão do Crescimento
A questão do crescimento econômico dividiu socialistas e ambientalistas. O ecossocialismo, entretanto, rejeita a moldura dualista de crescimento versus decrescimento, desenvolvimento versus antidesenvolvimento, porque ambas posição dividem uma concepção puramente quantitativa das forças produtivas. Uma terceira posição ressoa mais com a tarefa a frente: a transformação qualitativa do desenvolvimento.
Um novo paradigma de desenvolvimento significa dar um fim ao notório desperdício de recursos sob o capitalismo, dirigido pela larga escala de produção de produtos inúteis ou danosos. A industria de armas é, obviamente, um exemplo dramático, mas, de forma mais geral, o propósito primário dos “bens” produzidos – com suas obsolescências programadas – é gerar lucro para grandes corporações. O problema não é o consumo excessivo no abstrato, mas o tipo prevalente de consumo baseado como é, em maciços desperdícios, e a conspícua e compulsiva perseguição das novidades promovidas pela “moda”. Uma nova sociedade iria reorientar a produção destinada à satisfação de necessidades autênticas, incluindo água, alimentação, vestimenta, moradia e serviços básicos tais como saúde, educação, transporte e cultura.
Obviamente, os países do Sul Global, onde estas necessidades estão bem longe de serem satisfeitas, devem perseguir um desenvolvimento mais “clássico” — ferrovias, hospitais, sistemas de saneamento e outras infraestruturas. Além disso, em vez de imitar o modo como países ricos constroem seus sistemas produtivos, estes países podem perseguir desenvolvimento de maneiras mais ecologicamente amigáveis, incluindo a rápida introdução de energias renováveis. Muitos países mais pobres irão precisar expandir a produção agroecológica para cuidar de populações crescentes e famintas; mas a solução ecossocialista é promover métodos agroecológicos enraizados em unidades familiares, cooperativas ou fazendas coletivas de larga escala – não os métodos destrutivos do agronegócio industrializado, que envolve a adição intensa de pesticidas, químicos e transgênicos. [2]
Ao mesmo tempo, a transformação ecossocialista iria encerrar o gigantesco sistema de dívidas que o Sul Global agora enfrenta, bem como a exploração de seus recursos por países avançados industrialmente, e países em rápido desenvolvimento como a China. Em vez disso, podemos vislumbrar um forte fluxo de assistência técnica e econômica do Norte ao Sul, enraizado no robusto senso de solidariedade e reconhecimento de que problemas planetários requerem soluções planetárias. Isto não implica que as pessoas em países ricos “reduzam seus padrões de vida” — apenas que evitem o consumismo obsessivo, induzido pelo sistema capitalista, de mercadorias inúteis que não atendem necessidades reais ou contribuem para o bem estar e prosperidade humana.
Mas como nós distinguimos necessidades autenticas das artificiais e contraprodutivas? Em um grau considerável, os últimos são estimulados pela manipulação mental da publicidade. Nas sociedades capitalistas contemporâneas, a indústria da publicidade invadiu todas as esferas da vida, moldando tudo desde o alimento que comemos e as roupas que vestimos, até os esportes, cultura, religião e política. A publicidade promocional se tornou onipresente, insidiosamente infestando nossas ruas, paisagens, mídia tradicional e digital, moldando hábitos de consumismo conspícuo e compulsivo. Além disso, a própria indústria de anúncios é uma fonte de considerável de desperdício de recursos naturais e tempo de trabalho, no fim das contas pago pelo consumidor, para um ramo de “produção” que repousa na contradição direta com as reais necessidades socioecológicas. Indispensável para a economia de mercado capitalista, a indústria da publicidade não teria lugar numa sociedade em transição ao ecossocialismo; ela seria substituída por associações de consumidores que obtêm e disseminam informações sobre bens e serviços. Enquanto estas mudanças já estiverem acontecendo em alguma medida, velhos hábitos provavelmente persistirão por alguns anos, e ninguém tem o poder de ditar os desejos das pessoas. Alterar padrões de consumo é um desafio educacional presente, dentro de um processo histórico de mudança cultural.
Uma premissa fundamental do ecossocialismo é que em uma sociedade sem divisões de classe acentuadas e alienação capitalista, o “ser” terá precedência em detrimento do “ter”. Em vez de buscar bens intermináveis, as pessoas buscarão mais tempo livre, e as conquistas pessoais e significativas que podem obter por meio de atividades culturais, atléticas, recreacionais, científicas, eróticas, artísticas e políticas. Não há nenhuma evidência de que a posse compulsiva deriva de uma intrínseca “natureza humana”, como sugere a retórica conservadora. Em vez disso, é induzida pelo fetichismo de mercadorias inerente ao sistema capitalista, pela ideologia dominante e pela publicidade. Ernest Mandel resume bem este ponto fundamental: “A contínua acumulação de mais e mais bens […] não é de nenhuma forma um fenômeno universal e até mesmo predominante no comportamento humano. O desenvolvimento de talentos e inclinações para seu próprio bem; a proteção da saúde da vida; o cuidado com as crianças; o desenvolvimento de relações sociais ricas […] se tornam motivações maiores assim que as necessidades materiais básicas são satisfeitas.” [3]
É claro, mesmo uma sociedade sem classes depara-se com conflitos e contradições. A transição ao ecossocialismo iria confrontar tensões entre as necessidades de proteger o meio ambiente e atender necessidades sociais, entre imperativos ecológicos e o desenvolvimento da infraestrutura, entre hábitos de consumo popular e a escassez de recursos, entre impulsos comunitários e cosmopolitas. Lutas entre a desejos em competição são inevitáveis. Portanto, pesar e balancear tais interesses deve se tornar tarefa de um processo democrático de planejamento, liberto dos imperativos do capital e da geração de lucros, para se ter soluções por meio de discursos transparentes, plurais e abertos ao público. Tal democracia participativa, em todos os níveis, não significa que não serão cometidos erros, mas sim permite a auto-correção, pelos membros da coletividade social, de seus próprios erros.
Na parte final do novo ensaio: as sintonias e dissensos entre as teorias de emancipação social e o ambientalismo. Por que as duas correntes podem — e precisam — se reencontrar. A transição necessária para uma lógica pós-capitalista
Bases Teóricas
Ainda que o ecossocialismo seja um fenômeno bastante recente, suas bases teóricas podem ser rastreadas até Marx e Engels. Pois questões ambientais não eram tão salientes no século XIX como na nossa era de catástrofe incipiente ecológica, estas preocupações não exerciam um papel central nos trabalhos de Marx e Engels. Ainda assim, seus escritos usam argumentos e conceitos vitais para a concepção de uma alternativa socialista e ecológica frente ao sistema prevalente.
Algumas passagens em Marx e Engels (e certamente nas correntes dominantes marxistas que se seguiram), de fato adotam uma postura não crítica em relação às forças produtivas criadas pelo capital, tratando o “desenvolvimento das forças produtivas” como o principal fator no progresso humano. Entretanto, Marx era radicalmente oposto ao que nós agora chamamos de “produtivismo” – a lógica capitalista pela qual a acumulação de capital, riqueza e commodities se tornam um fim em si mesmo. A ideia fundamental de uma economia socialista – em contrastes com as caricaturas burocráticas que prevaleceram nos experimentos "socialistas do século XXI" – é produzir valores de uso, bens que são necessários à satisfação das necessidades humanas, bem estar e plenitude. O fenômeno central do progresso técnico, para Marx, não era o crescimento indefinido de produtos (“ter”) mas sim a redução do trabalho social necessário e o concomitante aumento de tempo livre (“ser”). [4] A ênfase de Marx no autodesenvolvimento comunista, no tempo livre para atividades artísticas, eróticas ou intelectuais – em contraste com a obsessão capitalista de consumir cada vez mais e mais bens materiais – implica em uma redução decisiva da pressão no meio ambiente. [5]
Para além dos benefícios presumidos ao meio ambiente, uma contribuição marxista chave para o pensamento socialista e ecológico, é atribuir ao capitalismo uma ruptura metabólica – isto é, uma destruição do intercambio material entre sociedades humanas e o meio ambiente. O problema é discutido, inter alia, em uma famosa passagem de O Capital:
”A produção capitalista […] perturba a interação metabólica entre o homem e a terra, isto é, impede o retorno ao solo de seus elementos constituintes consumidos pelo homem na forma de alimento e vestuário; daí impede o funcionamento das condições naturais eternas para a fertilidade duradoura do solo […] Todo progresso na agricultura capitalista é progresso na arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo […] Quanto mais um país […] se desenvolve com base na grande indústria, mais esse processo de destruição ocorre rapidamente. A produção capitalista […] apenas desenvolve […] ao minar simultaneamente as fontes originais de toda riqueza – o solo e o trabalhador”. [6]
Esta importante passagem esclarecer a visão dialética de Marx das contradições do “progresso” e suas consequências destrutivas para a natureza sob condições capitalistas. O exemplo, é claro, é limitado à perda de fertilidade do solo. Mas neste base, Marx desenha um insight mais amplo que a produção capitalista engloba uma tendência de solapar as “condições naturais eternas”. De uma perspectiva semelhante, Marx reitera seu argumento mais familiar que a mesma lógica predatória do capitalismo explora e degrada os trabalhadores.
Enquanto os ecossocialistas mais contemporâneos são inspirados pelos insights de Marx, ecologia se tornou bem mais central para suas análises e ação. Durante os anos 1970 e 1980 na Europa e nos EUA, um socialismo ecológico começou a tomar forma. Manuel Sacristan, um filósofo dissidente comunista espanhol, fundou o jornal ecossocialista e feminista 'Entretanto' em 1979, introduzindo o conceito dialético de “forças produtivas-destrutivas”. Raymond Williams, um socialista britânico e fundador de estudos culturais modernos, se tornou um dos primeiros na Europa à chamar por um “socialismo conscientemente ecológico” e frequentemente creditado à ter criado o próprio termo “ecossocialismo”. André Gorz, um filósofo e jornalista francês, argumentou que a ecologia política deve conter uma crítica do pensamento economista e chamou por uma transformação ecológica e humanista do trabalho. Barry Commoner, um biólogo americano, argumentou que o sistema capitalista e sua la destruição do meio ambiente, o que o levou à conclusão de que “algum tipo de socialismo” era a alternativa realista. [7]
Nos anos 1980, James O’Conner fundou o influente jornal 'Capitalismo, Natureza e Socialismo', que foi inspirado por sua ideia da “segunda contradição do capitalismo”. Nesta formulação, a primeira contradição é a marxista, entre as forças e relações de produção; a segunda contradição repousa entre o modo de produção e as “condições de produção”, especialmente, o estado do meio ambiente.
Uma nova geração de eco-marxistas apareceu nos anos 2000, incluindo John Bellamy Foster e outros ao redor do jornal 'Revisão Mensal', que posteriormente desenvolveu o conceito marxiano de ruptura metabólica entre as sociedades humanas e a natureza. Em 2001, Joel Kovel e o presente autor publicaram “Um Manifesto Ecossocialista”, que foi posteriormente desenvolvimento pelos menos autores, juntos com Ian Angus, no Manifesto Ecossocialista de Belém em 2008, o qual foi assinado por centenas de pessoas de quarenta países e distribuído no Fórum Social Mundial em 2008. Desde então ele se tornou uma importância referência para ecossocialistas ao redor de todo o mundo. [9]
Porque Ambientalistas Devem Ser Socialistas
Como estes e outros autores mostraram, o capitalismo é incompatíveis com um futuro sustentável. O sistema capitalista, uma máquina de crescimento econômico alavancada por combustíveis fósseis desde a Revolução Industrial, é uma das principais culpadas da mudança climática e a crise ecológica mais ampla que ocorre na Terra. Sua lógica irracional de expansão e acumulação intermináveis, desperdício de recursos, ostentação do consumismo, obsolescência programada e busca de lucro a qualquer custo, está levando o planeta a beira do abismo.
O “capitalismo verde” – estratégia de redução do impacto ambiental enquanto se mantém as instituições econômicas dominantes – oferece uma solução? A implausibilidade de tal cenário de Reforma Política tem sido visto mais vividamente no fracasso de um quarto de século de conferências internacionais para efetivamente mirar as mudanças climáticas. As forças políticas comprometidas com a “economia de mercado” capitalista que criou o problema não pode ser a fonte da solução.
Por exemplo, na Conferência Climática de Paris em 2015, muitos países resolveram se esforçar seriamente para manter o aumento médio da temperatura global abaixo de 2º C (idealmente, eles concordaram, abaixo de 1,5º C). De forma correspondente, eles se voluntariam à implementar medidas de redução da emissão de gás carbônico. No entanto, eles não implementam mecanismos de imposição nem quaisquer consequências em caso de descumprimento e, portanto, nenhuma garantia que qualquer país irá cumprir sua promessa. Os EUA, o segundo maior emissor de carbono, é atualmente administrado por um negacionista do aquecimento global, que tirou os EUA do acordo. Mesmo se todos os países de fato cumprirem o que acordaram, a temperatura global subiria cerca de 3º C ou mais, com grande risco de mudanças climáticas terríveis e irreversíveis. [10]
Ao fim das contas, a falha fatal do capitalismo verde está no conflito entre a micro-racionalidade do mercado capitalista com seu cálculo curto-prazista de lucros e perdas, e a macro-realidade da ação coletiva pelo bem comum. A lógica cega do mercado resiste a uma rápida transformação da energia, longe da dependência de combustíveis fósseis, em intrínseca contradição com a racionalidade ecológica. A questão não é acusar os “maus” capitalistas ecocidas, em oposição aos “bons” capitalistas verdes; a culpa repousa em um sistema enraizado em uma impiedosa competição e uma corrida pelo lucro de curto prazo que destrói o equilíbrio da natureza. O desafio ambiental – construir um sistema alternativo que reflita o bem comum em seu DNA institucional – se torna intrinsecamente conectado ao desafio socialista.
O desafio requer a construção do que E.P. Thompson descreveu como “economia moral” fundada em princípios não monetário, extraeconômicos e sociais-ecológicos e governado através de processos de tomada de decisão democráticos. [11] Muito mais do que uma reforma incremental, o que é necessário é a emergência de uma civilização social e ecológica que traga como prioridade uma nova estrutura energética e um conjunto de valores e padrão de vida pós-consumista. Realizar esta visão não será possível sem planejamento público e controle sobre os “meios de produção”, os insumos físicos utilizados para produzir valor econômico, tais como instalações, maquinário e infraestrutura.
Uma política ecológica que trabalha entre o prevalecimento das instituições e as regras da “economia de mercado” estará longe de atender os profundos desafios ambientais ante nós. Ambientalistas que não reconhecem como o “produtivismo” flui a partir da lógica do lucro estão destinados ao fracasso – ou, pior, serem absorvidos pelo sistema. Exemplos não faltam. A falta de uma postura anticapitalista coerente levou a maioria dos Partidos Verdes europeus – notavelmente na França, Alemanha, Itália e Bélgica – a se tornarem meros parceiros “eco-reformistas” na administração social-liberal do capitalismo pelos governos de centro-esquerda.
É claro, a natureza não se deu muito melhor sob o estilo de “socialismo” soviético do que no capitalismo. Na verdade, essa é uma das razões que o ecossocialismo carrega um programa e uma visão muito diferentes do chamado “socialismo realmente existente” do passado. Já que as raízes do problema ecológico são sistêmicas, o ambientalismo deve desafiar o sistema capitalista prevalecente, e isso significa levar a sério a síntese do século XXI de ecologia e socialismo – o ecossocialismo.
Porque Socialistas Devem Ser Ambientalistas
A sobrevivência da sociedade civilizada, e talvez muito da vida no Planeta Terra, está em risco. Uma teoria socialista, ou movimento, que não integre a ecologia como elemento central em seu programa e estratégia é anacrônica e irrelevante.
Mudanças climáticas representam a expressão mais ameaçadora da crise ecológica no planeta, colocando um desafio sem precedente histórico. Se for permitido que a temperatura global exceda níveis pré industriais em cerca de mais de 2º C, cientistas projetam consequências cada vez mais terríveis, tais como o nível dos mares subir tanto que arriscaria submergir boa parte das cidades marítimas, de Dacca em Bangladesh à Amsterdã, Veneza ou Nova York. Desertificações de larga escala, alteração do ciclo hídrico e da produção agrícola, eventos climáticos mais extremos e frequentes e perda de espécies. Nós já estamos em 1º C. Será que vamos chegar a um ponto de inflexão para além do qual o planeta pode suportar a vida civilizada ou mesmo tornar-se inabitável?
Particularmente preocupante é o fato de que os impactos da mudança climática estão se acumulando em um ritmo mais rápido do que o previsto pelos cientistas climáticos – os quais – quase como todos os cientistas – tendem a ser altamente cautelosos. A tinta mal secou no relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática e os crescentes impactos climáticos o faz parecer por demais otimista. Onde uma vez a ênfase era em o que aconteceria no futuro distante, a atenção se volta cada vez mais para o que nós enfrentamos agora e nos próximos anos.
Alguns socialistas reconhecem a importância de incorporar a ecologia, mas objetam o termo “ecossocialismo” argumento que o socialismo já inclui ecologia, feminismo, antirracismo e outros fronts progressistas. Entretanto, o termo ecossocialismo, ao sugerir uma mudança decisiva nas ideias socialistas, carrega uma importância política significativa. Primeiro, ele reflete um novo entendimento do capitalismo enquanto sistema baseado não só na exploração, mas também na destruição – a massiva destruição das condições de vida no planeta. Segundo, ecossocialismo estende o significado de transformação socialista para além de uma mudança de proprietários para uma transformação civilizacional do aparato produtivo, padrões de consumo e todo um modo de vida. Terceiro, o novo termo ressalta a visão crítica que ele adota das experiências do século XX em nome do socialismo.
O socialismo do século XXI, em suas tendências dominantes (social-democracia de comunismo soviético), foi, na melhor das hipóteses, desatento ao impacto humano no meio ambiente e, na pior, completamente indiferente. Governos adotaram e adaptaram o aparato produtivo do capitalismo ocidental em um esforço precipitado de “se desenvolver”, enquanto permaneceram largamente alheios dos profundos custos negativos na forma de degradação ambiental.
A União Soviética é um exemplo perfeito. Os primeiros cinco anos após a Revolução de Outubro viram uma corrente ecológica se desenvolver e um conjunto de medidas para proteger o meio ambiente foram, de fato, promulgados. Mas aos fins de 1920, com o processo de burocratização stalinista em andamento, um produtivismo negligente com o meio ambiente foi sendo imposto na indústria e agricultura por meio de métodos totalitários, enquanto ecologistas foram marginalizados ou eliminados. O acidente de Chernobyl em 1986 representa um dramático emblema das desastrosas consequências de longo prazo.
Alterar os donos da propriedade sem alterar como esta propriedade é administrada é o fim da linha. O socialismo deve colocar uma administração e reorganização democráticas do sistema produtivo no coração da transformação, junto com um firme compromisso com a administração ecológica. Nem o socialismo ou a ecologia sozinhos, mas ecossocialismo.
Ecossocialismo e a Grande Transição
A luta pelo socialismo verde no longo prazo requer lutar por reformas concretas e urgentes no curto prazo. Sem ilusões acerca das perspectivas para um “capitalismo limpo”, o movimento para a profunda mudança deve tentar reduzir os riscos às pessoas e ao planeta, enquanto consegue tempo para construir o suporte para uma transição mais fundamental. Em particular, a batalha para forçar os poderes que podem reduzir drasticamente emissões do esfeito estufa segue sendo o fronte chave, junto com os esforços locais para a mudança rumo aos métodos agroecológicos, energia solar cooperativa e administração comunitária de recursos.
Tais lutas imediatas, concretas, são importantes em si mesmas porque vitórias parciais são vitais para o combate à deterioração ambiental e desespero em relação ao futuro. No longo prazo, estas campanhas podem ajudar a levantar consciência ecológica e socialista e promover o ativismo desde abaixo. Tanto a consciência bem como a auto-organização são pré condições decisivas e as bases para radicalmente se transformar o sistema mundial. A síntese de milhares de esforços locais e parciais ao formar um arco sob um movimento global sistêmico forja o caminho para uma Grande Transição: uma nova sociedade e modo de vida.
Esta visão infunde na popular ideia de um “movimento de movimentos”, o qual emergiu do movimento global de justiça e Fórum Sociais Mundiais e que por muitos anos abrigou a convergência de movimentos sociais e ambientais em uma luta comum. O ecossocialismo é apenas uma das correntes dentre um fluxo mais ampla, com nenhuma pretensão de que é “mais importante” ou “mais revolucionária” que outras. Tal competitiva alegação de forma contraproducente cria polarização quando o que é necessário é unidade.
Em vez disso, o ecossocialismo mira contribuir para uma série de ethos adotadas pelos variados movimentos para uma Grande Transição. O ecossocialismo vê a si como parte de um movimento internacional: já que crises globais ecológicas, econômicas e sociais, não veem fronteira, a luta contra as forças sistêmicas dirigindo estas crises deve também ser globalizada. Muitas intersecções estão surgindo entre ecossocialismo e outros movimentos, incluindo esforços para relacionar eco feminismo e ecossocialismo como convergentes e complementares. [12] O movimento de justiça climática traz antirracismo e ecossocialismo juntos em uma luta contra a destruição das condições de moradia de comunidades sofrendo discriminação. Em movimentos indígenas, algumas lideranças são ecossocialistas, enquanto, por sua vez, muitos ecossocialistas vem o modelo de vida indígena, assentado em solidariedade comunitária e respeito à Mãe Natureza, como uma inspiração para a perspectiva ecossocialista. Da mesma forma, o ecossocialismo encontra voz dentro dos movimentos camponeses, sindicais, de decrescimento e outros.
O agrupador movimento dos movimentos busca a mudança do sistema, convencido de que outro mundo é possível, para além da mercantilização, destruição ambiental, exploração e opressão. O poder das elites dominantes entrincheiradas é inegável e as forças de oposição radical continuam fracas. Mas elas estão crescendo e se colocam como nossa esperança para parar o catastrófico curso de “crescimento” capitalista. O ecossocialismo contribui com uma importante perspectiva para fomentar a compreensão e a estratégia para este movimento para uma Grande Transição.
Walter Benjamin definiu revolução não como locomotivas da história, como Marx, mas como a humanidade tentando alcançar o freio de emergência antes que o trem caia no abismo. Nós nunca precisamos tanto alcançar em conjunto a alavanca e colocar em um novo trilho para um destino diferente. A ideia e prática do ecossocialismo pode nos ajudar a guiar este projeto histórico-mundial.
NOTAS
[1] Joel Kovel, Enemy of Nature: The End of Capitalism or the End of the World? (New York, Zed Books, 2002), 215.
[2] Via Campesina, uma rede mundial de movimentos de camponeses que há muito argumenta em favor deste tipo de transformação agricultural, ver mais em https://viacampesina.org
[3] Ernest Mandel, Power and Money: A Marxist Theory of Bureaucracy (London, Verso, 1992), 206.
[4] A oposição entre “ter” e “ser” é frequentemente discutida no Manuscritos de 1844. Em tempo livre como fundação do “Reino da Liberdade” socialista, ver Karl Marx, Das Kapital, Volume III, Marx-Engels-Werke series, vol. 25 (1884; Berlin: Dietz Verlag Berline, 1981), 828.
[5] Paul Burkett, Ecological Economics: Toward a Red and Green Political Economy (Chicago, Haymarket Books, 2009), 329.
[6] Karl Marx, Das Kapital, Volume 1, Marx-Engels-Werke series, vol. 23 (1867; Berlin: Dietz Verlag Berlin, 1981), 528-530.
[7] Ver, por exemplo, Manuel Sacristan, Pacifismo, Ecología y Política Alternativa (Barcelona: Icaria, 1987); Raymond Williams, Socialism and Ecology (London: Socialist Environment and Resources Association, 1982); André Gorz, Ecology as Politics (Boston, South End Press, 1979); Barry Commoner, The Closing Circle: Man, Nature, and Technology (New York: Random House, 1971).
[8] “Um Manifesto Ecossocialista”, 2001, http://environment-ecology.com/political-ecology/436-an-ecosocialist-manifesto.html; “Belem Ecosocialist Declaration,” December 16, 2008
[9] Ver https://www.greattransition.org/explore/scenarios para acessar o cenário de Reforma Política e outros cenários globais
[10] Programa de Meio Ambiente dos EUA, The Emissions Gap Report 2017 (Nairobi: UNEP, 2017). Para acessar o relatório ver em https://news.un.org/en/story/2017/10/569672-un-sees-worrying-gap-between-paris-climate-pledges-and-emissions-cuts-needed.
[11] E. P. Thompson “The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century,” Past & Present, no. 50 (February 1971): 76-136.
[12] See Ariel Salleh’s Ecofeminism as Politics (New York: Zed Books, 1997), or the recent issue of Capitalism, Nature and Socialism (29, no. 1: 2018) on “Ecofeminism against Capitalism,” with essays by Terisa Turner, Ana Isla, and others.
Fonte: Michael Löwy, em Great Transition | Tradução: Marianna Braghini. OutrasVoces.
[*] Michael Löwy, (São Paulo, 6 de maio de 1938) é um pensador marxista brasileiro radicado na França, onde trabalha como diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique. É um relevante estudioso do marxismo, com pesquisas sobre as obras de Karl Marx, Leon Trótski, Rosa Luxemburgo, Georg Lukács, Lucien Goldmann e Walter Benjamin.
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